terça-feira, 20 de novembro de 2012

Cotas: o que é isso?


“Eu não concordo com as cotas”. “O negro não tem capacidade”. “Estão tentando diminuir o negro”. “Isso, sim, é discriminação”. Piadas, ironia, comentários de pessoas que não conhecem ou não reconhecem a história do Brasil é o que mais escuto nos últimos tempos. 

O fato é que precisamos conhecer a história do Brasil: o negro começou a vir para o Brasil para trabalhar como escravo, logo após o descobrimento em 1530. Para a sociedade da época, ele era uma mercadoria que deu muito lucro para a classe dominante e ajudou a construir a economia do nosso país. E como objeto, não tinha direito algum, apenas, tinha que sobreviver, trabalhar e dar lucro. 

Os negros eram trazidos em navios, chamados de navios negreiros, muitos não sobreviviam nos porões desses navios, convivendo com ratos e expostos a doenças. 
... “Devido às péssimas condições de acomodação destes navios, as crianças ficavam agitadas inquietas e doentes. Muitas morriam ali mesmo. Para minimizar tamanho sofrimento as mães arrancavam a barra de suas saias e criavam bonecas com tiras de pano, chamadas Abayomi significa ”ENCONTRO PRECIOSO” e pode ser traduzida como: “Ofereço para você o melhor que tenho em mim”... (O Transcendente, março/abril 2012, 07). 
Segundo o historiador Boris Fausto, em História do Brasil (2002): 
A história é vital para o desenvolvimento da cidadania porque nos mostra que, para compreender o que está acontecendo no presente, é preciso entender quais foram os caminhos percorridos pela sociedade brasileira; senão parece que tudo começou quando tomamos consciência das nossas vidas.
Talvez, por que a abolição da escravidão foi em 1888 e já se passaram 124 anos, muitas pessoas não entendem o porquê das cotas, pois acham que a história do negro na sociedade começou agora, acham que ele sempre esteve em igualdade de condições e oportunidades com o branco e teve seus direitos individuais respeitados. 

Ora, ele não era tratado como mercadoria? Logo mercadorias não possuem direitos nem cidadania, apenas um número (no caso do escravo, uma marca) para identificá-lo. 

Quem não conhece a história, e não procura conhecê-la, acha, realmente, que a história começou quando ele ou ela tomou consciência da sua “PRÓPRIA VIDA”. Mas foram trezentos anos de escravidão, de cativeiro, de injustiça social, de ideologias racistas e preconceituosas, sendo disseminadas e incorporadas como VERDADEIRAS. 

Quem sabe, muitas pessoas que não entendem as cotas não tenham tido as informações necessárias para entender a escravidão, não foi uma escravidão branda, as pessoas eram educadas a considerar mais os animais do que uma pessoa negra e isso era o certo, o justo, o “natural”. 

Não devemos julgar uma cultura fora de seu tempo. Mas com todas as informações que temos na mídia, nos livros didáticos, na literatura, na internet, relatos dos mais antigos, não podemos deixar de nos envergonhar desta página da nossa história, de sermos o último país da América a libertar os escravos e de não ter dado oportunidade para eles se inserirem na sociedade brasileira, marginalizando-os, preferindo dar oportunidade de trabalho assalariado para o imigrante italiano, empurrando-os para os subempregos (engraxate, lavadeira), sem oportunidade de frequentar uma escola, de ser instruído. Foram trezentos anos de escravidão mais cento a vinte quatro anos de uma falsa democracia racial. 

As pessoas ainda tentam intimidar o negro dizendo que as cotas só existem porque ele não tem capacidade de concorrer com o branco. 

Para Piaget, todos nascem com potencialidades e habilidades para se desenvolver, mas o meio pode ser um fator decisivo na maneira do indivíduo realizar sua inclinação biológica. 

Ou seja, todos nós nascemos com aparatos para a aprendizagem, o que faz a diferença é o quanto somos incentivados, provocados a desenvolver essas capacidades ou habilidades. Logo, não se trata de capacidades, mas de JUSTIÇA SOCIAL. 

Este texto não é uma crítica às pessoas que são contra as cotas. É para as que são contra as cotas e não possuem fundamentação teórica, ou seja, não possuem argumentos para justificarem suas opiniões, apenas um falso liberalismo social (racismo mascarado). “Não sou racista, afinal, eu até tenho amigos negros”. 

Não podemos esquecer que, atualmente, no Brasil, existem cotas para ingresso em universidades públicas e particulares, de que 25% são para negros, pardos e índios (sociedades que foram injustiçadas no passado) e os outros 25% das cotas são destinados aos estudantes que tenham feito todo o ensino médio em escolas públicas e cujas famílias tenham renda per capita até um salário mínimo e meio. Ainda, o Enem será a ferramenta para definir o preenchimento das vagas destinadas às cotas. 

Como educadores, precisamos nos informar mais e informar os educandos sobre as cotas, para que possam usufruir deste direito adquirido e não intimidá-los com opiniões racistas como esta que ouvi de colegas dizendo que as cotas são um atestado da incapacidade dos negros de concorrerem com os brancos. Isto é, aquele, que deveria informar, rotula e, depois, queremos transformar a sociedade? Como posso transformar, se reproduzo o preconceito me dirigindo aos educandos como aquele moreninho, escurinho, neguinho bodoso? 

A intenção não é reprimir ou condenar os que são contra as cotas, mas lembrá-los que houve, sim, uma escravidão no Brasil, muito violenta, por mais de três séculos e que os negros não foram libertos, foram ABANDONADOS à própria sorte. Imagina VOCÊ sendo mandado embora de seu emprego sem direito a nada - rescisão, seguro desemprego ou fundo de garantia e, ainda, tendo sua casa e seus bens confiscados, imaginou? Como VOCÊ se sente? Pois foi assim que o negro se sentiu - abandonado à própria sorte. 
Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las (Voltaire). 
Concordo com o pensador iluminista, mas não podemos esquecer que ajudamos a formar opiniões e concepções, por isso, mais que dar nossa opinião, precisamos informar, incentivar, levantar a auto-estima, valorizar a diversidade para formarmos cidadãos autônomos e, somente depois, pensarmos em TRANSFORMAÇÃO E JUSTIÇA SOCIAL. 

Professora Liliane do Canto 

3 comentários:

  1. Texto excelente e inteligente, na mesma linha do texto do Juremir Machado de hoje no Correio do Povo.
    Parabéns, professora. Escreva sempre e mais!
    Abraços,
    Profª. Rosane Gelati

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  2. Muito legal o texto. Muito bem embasado. Uma boa forma das pessoas refletirem e repensarem seus conceitos e preceitos sobre o assunto.
    Parabéns!

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  3. Muito interessante o texto. Penso que embasamento é algo que muito brasileiros ainda precisam conquistar. Gostei do posicionamento. Eu não sou contra nem a favor das cotas, mas já que elas existem torço apenas para que auxiliem aqueles beneficiados a alcançarem os objetivos que desejam e que daqui há algum tempo não precisemos mais destes mecanismos em nosso Pais. Pode até ser utopia, mas eu creio na transformação da história.

    "Se a gente quer a gente consegue"

    Belo texto!

    Abraço!

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